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Como gerir a relação com as partes interessadas pertinentes?

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Edson Silva

Edson Silva

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Cofundador da EDX Consultores, responsável pelos produtos da área de Estratégia & Gestão e de Gestão. Atua há mais de vinte e cinco anos como consultor, desenvolvendo projetos junto a organizações dos segmentos de serviços (com destaque para as áreas de saúde, educação e logística), industrial (empresas dos ramos automotivo, eletroeletrônico e metalomecânico), do agronegócio, do saneamento básico e da mineração, apoiando-as na implantação de ferramentas de Gestão Estratégica (Planejamento Estratégico, BSC e Gestão do Conhecimento, entre outros).

A importância do valor compartilhado!

Depois de um tempinho sem escrever por aqui, volto com um tema que me inquieta (e não só a mim): a gestão da relação com as partes interessadas pertinentes a uma dada organização.

Muitos dos meus clientes têm essa dúvida: “afinal, como eu faço para me aproximar das partes interessadas que realmente importam para o meu negócio?”

Em tempos de ESG (ainda não universalmente abordado, mas a caminho de ser), do novo marco do saneamento (no Brasil, especificamente) e de impactos das mudanças climáticas (por todo o planeta), o que podemos tirar de concreto para responder à pergunta que abre este artigo?

Neste novo post, vamos falar sobre a aplicação de práticas relacionadas ao ESG como base fundamental para a construção dessa resposta, bem como utilizar o segmento do saneamento básico para exemplificar como se pode fazer isso.

Bora lá?

Você sabe o que é valor compartilhado?

Valor compartilhado é um conceito, criado em 2006 por Michael Porter e Mark Kramer, que, naquele momento, revolucionou a maneira como as organizações passaram a compreender o que seria a responsabilidade social.

A Harvard Business Review, em uma de suas edições de 2011, já trazia uma definição que se tornou clássica: “Valor compartilhado envolve a geração de valor econômico, de forma a criar também valor para a sociedade (com o enfrentamento de suas necessidades e desafios)”.

Mais recentemente, um documento que vem sendo gerado no âmbito da Comissão de Estudo Especial da ABNT 256 (CEE/ABNT-256), denominado Prática Recomendada (PR) 2030 – “ESG – Guia e modelo de avaliação para organizações” (e que se encontra em fase de consulta pública no site da ABNT até o próximo dia 9 de novembro) traz uma nova definição: “Práticas de gestão e políticas empresariais que visam a aumentar a competitividade da empresa, ao passo que, simultaneamente, aprimoram as condições sociais e econômicas nas comunidades em que operam”.

O adjetivo “compartilhado” já diz tudo, não é mesmo?

Esse conceito pode (ou será que deve?) ser a mola-mestra da relação de uma organização com todas as demais partes com que ela interage de forma significativa.

Afinal de contas, como eu defino quais são as partes interessadas pertinentes ao meu negócio?

De acordo com a cláusula 3.2 da ABNT NBR ISO 37301:2021 – “Sistemas de gestão de compliance”, parte interessada é toda “pessoa ou organização que pode afetar, ser afetada ou se perceber afetada por uma decisão ou atividade”. Essa é a mesma definição contida na subcláusula 2.2.4 da ABNT ISO 9000:2015 – “Sistemas de gestão da qualidade — Fundamentos e vocabulário”, que complementa o texto com três notas:

“Partes interessadas pertinentes são aquelas que fornecem risco significativo para a sustentabilidade organizacional se as suas necessidades e expectativas não forem atendidas”.

“O conceito de partes interessadas se estende além de um foco exclusivamente no cliente”.

“É importante considerar todas as partes interessadas pertinentes”.

Pensando por esse lado, são inúmeras as partes interessadas com as quais uma organização qualquer se relaciona. É aí que mora o perigo: como fazer com que todas essas partes tenham voz no processo de construção daquilo que interessa a todas elas? Como envolvê-las na criação do valor compartilhado?

O primeiro passo para uma definição assertiva das partes interessada com as quais uma organização se relaciona é não deixar ninguém de fora! Afinal, é importante considerar todas as partes interessadas pertinentes.

De fato, a organização precisa deixar de lado, nessa primeira etapa, pré-julgamentos que possam afastar ou desconsiderar partes interessadas, quaisquer que sejam. Um exemplo clássico dessa situação é dizer que “a interação com essa PI é tão pontual que não vou considerá-la no meu mapeamento”. Não podemos cometer esse erro! Não devemos descartar nenhuma PI, justamente quando se está querendo determinar quem são elas!

O segundo passo refere-se a compreender as necessidades e expectativas das partes interessadas como base para a gestão estratégica da organização e para a construção do valor compartilhado.

Nesse sentido, a versão em consulta pública da PR 2030 da CEE/ABNT-256 traz a seguinte figura para demonstrar como essa construção deve se dar, dentro de um foco direcionado para o ESG.

Gestão de partes interessadas

OK… Mas a pergunta permanece: como gerir a relação com as partes interessadas?

Se refletirmos um pouco mais, a figura acima também pode ser adotada, de forma ainda mais abrangente, para a construção do valor compartilhado em qualquer relação de qualquer organização com suas partes interessadas. Ou alguém aí discorda de ele nasce do entendimento de necessidades e expectativas dessas partes e de sua tradução pelos processos de gestão da organização?

Podemos ir ainda além: temas materiais (ou materialidade) precisam ser analisados sistemicamente, juntamente com os riscos e oportunidades identificados e reconhecidos por ela.

Materialidade, de acordo com a PR 2030 é a “pertinência de um tópico determinada pela relevância do seu impacto econômico, ambiental, social, positivo ou negativo, nas avaliações e decisões dos gestores da organização e de suas partes interessadas”, sendo a “base para a empresa identificar as agendas prioritárias para sua atuação, investimentos e gestão de externalidades, riscos e oportunidades”.

Em outras palavras, precisamos levar em conta (i) as necessidades de expectativas das partes interessadas; (ii) aquilo que realmente tem impacto na organização e aquilo que é impacto da organização (conceito de materialidade descrito de outra forma); (iii) os riscos e oportunidades referentes ao seu negócio; e (iv) sua correlação com a materialidade.

Não é à toa que vemos aqui claramente o link com a ABNT NBR ISO 9001:2015 e com outras normas de sistemas de gestão: todas elas tratam das partes interessadas, de riscos e oportunidades, culminando com a agregação de valor (olha o valor compartilhado aí de novo!) para as partes interessadas, que, por sua vez, vão muito além dos clientes da organização.

No fim de tudo, podemos afirmar que a gestão da relação de uma organização com suas partes interessadas pertinentes deve se dar a partir da compreensão de todos os seus interesses e de qual valor compartilhado deve ser construído de forma colaborativa.

A matriz de materialidade e a relação com as partes interessadas

A matriz de materialidade de uma organização é uma representação gráfica que apresenta e hierarquiza os tópicos mais importantes relacionados às atividades de uma dada organização. Sua construção tem que, necessariamente, refletir os interesses de suas partes interessadas. A organização não deve elaborar sua matriz sem ouvir seus diversos interlocutores e outras partes impactadas por sua existência ou que impactam essa existência.

Ao elaborar sua matriz de materialidade, uma organização deve, para cada tópico, avaliar uma “combinação de fatores internos e externos” (texto original da Global Reporting Initiative – GRI). Por essa razão, ouvir as partes interessadas pertinentes é essencial, ou seja, devem ser considerados os interesses de clientes, acionistas, fornecedores, comunidades de seu entorno, governo, meio ambiente e sociedade como um todo, entre todas as partes.

Isso tudo faz com que a materialidade leve em conta necessidades e expectativas de forma mais ampla, tornando fundamental o papel da comunicação institucional para muito além de ações de marketing ou de divulgação das ações realizadas pela organização. É preciso que o processo se dê em uma via de duas mãos; a materialidade apoia essa construção.

O exemplo do saneamento básico

Talvez não exista, dentre as atividades econômicas em todo o mundo, nada mais ESG do que o saneamento básico. Saneamento é ESG “na veia”!

Dentro desse contexto, esse segmento também se notabiliza por uma outra característica: a abrangência (e a quantidade!) das partes interessadas pertinentes. É um mundo de partes interessadas, com necessidades, expectativas, demandas e interesses dos mais variados.

Desde a aprovação e a promulgação da Lei nº 14.026/2020, que atualizou o marco legal do saneamento básico no Brasil, essa atividade fundamental para a saúde e a dignidade de todos passou a ter, ainda mais, a atenção de toda a sociedade.

Um operador de saneamento, seja uma autarquia municipal, uma empresa estadual, de economia mista ou do setor privado, leva em consideração diversos aspectos na relação com suas partes interessadas.

Para não nos estendermos demais, vamos focar em um exemplo dessa interação: o que acontece quando se leva saneamento a uma comunidade que não contava com o serviço até então?

Desde o óbvio impacto ambiental, com a coleta do esgoto bruto, seu afastamento e tratamento e o lançamento do efluente tratado em um corpo d’água, há inúmeros possíveis impactos sociais (ou socioambientais): melhoria nos índices relativos à saúde da população atendida; redução da incidência de doenças de veiculação hídrica; dignidade para população atendida; qualidade de vida; mitigação de problemas estruturais decorrentes da falta de rede de coleta de esgoto; entre outros.

No entanto, outras necessidades e expectativas da população atendida podem ser identificadas na relação com os diversos grupos de partes interessadas: demandas por ações concretas para apoiar a erradicação da pobreza em uma comunidade carente (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS – 1 da Organização das Nações Unidas), “fome zero” (ODS 2) e saúde e bem-estar (ODS 3), para ficarmos só nos três primeiros dos dezessete ODS’s.

Qual é, então, o grande desafio do operador de saneamento em relação a essa questão?

É ter instrumentos e ferramentas que ouçam quais são os interesses de cada comunidade ou população atendida. Trata-se de saber, de fato, quais são suas demandas (e não inferir que já se sabe!).

Vamos a um exemplo: uma comunidade de pescadores artesanais é afetada diretamente pelas condições ambientais e pela qualidade da água do rio do qual retiram seu sustento. No entanto, dependendo do caso, essa mesma comunidade pode ter demandas que vão além do tratamento dos efluentes lançados no rio.

É possível que esses pescadores tenham (por isso temos que ouvi-los, ao invés de achar que sabemos) necessidades que poderiam ser apoiadas pelo operador que os atende, tais como: (i) suporte para a organização ou reorganização de sua cooperativa; (ii) promoção de ações culturais para assentamentos distantes da área urbana (em conjunto com a prefeitura municipal, outra parte interessada); (iii) cursos de formação profissional para jovens adolescentes (em parceria com instituições de ensino); (iv) ações geradores renda; (v) formação de um fórum para discussão de suas demandas junto à empresa de saneamento; entre outras possibilidades.

Criando o(s) canal(is) necessário(s) ao diálogo entre as partes, todos juntos constroem o tal valor compartilhado! Todas as partes interessadas se envolvem nessa construção e, fundamentalmente, são ouvidas e têm suas demandas atendidas em alguma medida. Diversas formas podem ser adotadas para isso: (i) reuniões regulares com representantes da sociedade civil; (ii) grupo de foco; (iii) realização de encontros temáticos; entre tantas outras.

Em última análise, o que estamos debatendo aqui é a essência dos eixos ambiental e social do ESG, utilizando-os como pilares da relação da organização (no nosso exemplo, um operador de saneamento) com diversas de suas partes interessadas.

Mas, e o eixo da governança corporativa? Como fica nesse contexto?

Da mesma forma, trata-se de ouvir, compreender e dar atenção ao que outras partes interessadas têm a apresentar. Aqui entram, no caso do exemplo do saneamento, o poder concedente (normalmente uma prefeitura ou um conjunto delas), as agências reguladoras dos serviços (por exemplo, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA) e outros órgãos nas três esferas de governo.

Neste exemplo do saneamento ou em outros segmentos, o que importa é criar as condições adequadas para que todas as partes interessadas sejam ouvidas e interajam com a organização, estimulando o diálogo sobre os diversos interesses em jogo, o que, em ao final do processo, vai permitir que todos ganhem com o valor compartilhado construído de forma colaborativa.

Então…

A gestão da relação com as partes interessadas é um fator crítico de sucesso para qualquer organização que deseje continuar a operar e viabilizar seu crescimento e perenidade.

Essa atuação propiciará a gestão social e ambientalmente responsável de seus negócios, em direção à obtenção da licença social para operar, que, segundo o Instituto Ethos, “não é prevista em lei, não está escrita em um papel e não prevê penalidades legais, mas (…) é preciso conseguir, no mínimo, a anuência da comunidade, que deve estar ‘de acordo’ para a empresa praticar atividades nas vizinhanças. O ideal é que a pessoas vejam a operação como vantajosa (…). Elas se sentem donas também”.

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